O ESPÍRITO ESPORTIVO QUE FALTA EM MIM
- Samanta Lira
- 9 de out. de 2017
- 4 min de leitura
“Como assim tu nunca foi pra um estádio de futebol?”, essa foi uma das perguntas mais frequentes durante os meus 17 anos de vida. Parece até um crime... Não preciso nem dizer que minha relação com o esporte sempre foi bem acuada, estilo aqueles vizinhos de apartamento, que você sabe o nome, mais ou menos a rotina que ele leva – afinal, é impossível não escutar a porta de entrada ecoando pelo corredor estreito, denunciando o horário de saída e de chegada –, mas quando o encontra, acena desconfortavelmente com o movimento da cabeça.
Assim é a minha relação com o futebol. Conheço os times mais populares, muito mal os nomes de alguns jogadores, e tenho conhecimento da rotina futebolística, já que a paixão generalizada das pessoas faz com que elas falem o tempo todo sobre o esporte, o que é quase a porta de denúncia do corredor estreito (você escuta mesmo sem ter a intenção). Mas, assistir a um jogo, para mim, é como cumprimentar, desconcertado, o seu vizinho não íntimo. Convivemos, mas não temos jeito para uma aproximação real. E, agora, não me refiro ao vizinho.
Imagina só, nascer no país do futebol, onde tudo acaba em pelada e domingo é o dia ideal para beber aquela cerveja e prestigiar uma boa partida. Nossos meninos parecem que já vieram ao mundo sabendo manejar uma bola. É quase uma regra escolhermos um time do coração e acompanharmos até os jogadores que compareceram ao treino. E o jornalismo esportivo? Te desafio a achar uma só notícia nas colunas que não seja relacionada ao futebol. Pode até ter, mas é raríssimo. E em época de copa? Todo mundo tem o Hino Nacional na ponta da língua. O patriotismo que não temos no restante do ano é transbordado nos rostos pintados com os dois “tracinhos de índio” em cada bochecha, nas cores verde e amarela.
Consegue sentir o meu drama? O de quem “faz parte” de algo, mas não “pertence”? Como se não bastasse nascer no país onde todo mundo ama assistir ou correr atrás de uma bola, eu tive que nascer na região Nordeste, mais precisamente em Pernambuco. Não me leve a mal. Amo o meu estado. O problema é ele ter três grandes times e a regra de que você tem que torcer para algum. “Tu é Sport, Santa ou Náutico?”, essa eu escuto até os dias de hoje.
Estou aqui falando da minha apatia pelo futebol, e vai parecer estanho se eu disser que já fui torcedora dos três? Tudo começou aos 9 anos. Meu pai é torcedor do Sport, mas isso nunca me influenciou. Foi na condução da escola, quando, para me enturmar com os torcedores rubro-negros, que eram maioria, eu respondi que também torcia para o leão. Isso me rendeu muitos cantos que ainda sei de cor, desde o famoso “Cazá, Cazá!” até as menos conhecidas que esculacham o time adversário. Fui quase uma torcedora perfeita, tirando o fato de que eu não tinha o sentimento de quem torce.
Minha história com o Sport não durou muito. Quando os meus pais se separaram, minha mãe conheceu um rapaz muito simpático, com quem vive até hoje. Logo passei a chamá-lo de pai, e, aos 10 anos, me tornei uma “verdadeira” alvirrubra, por influência do meu padrasto. Agora, meu time do coração era o Náutico. Por que não? Dos três, ele tinha a torcida mais pacífica. Olha só, perfeito. E assim foi até o final da minha adolescência. Eu estava bastante satisfeita, desconsiderando o sarro que os meus colegas tiravam de mim, por torcer para um clube, segundo eles, tão fraco. Nessa altura, eu já manjava do esporte, sabia até o que é um impedimento (quando as pessoas querem testar o seu conhecimento sobre futebol, elas sempre perguntam o que é um impedimento).
Aos 17, tive meu primeiro namorado, um tricolor fiel, daqueles que não perdem uma partida do Santa Cruz, que marcam presença em quase todos os jogos. Já sabe o que aconteceu, né? Foi por causa dele que eu tive a minha primeira experiência dentro de um estádio. Confesso que o glamour do imenso gramado e a arena repleta de olhos que brilhavam fanáticos pelo espetáculo que logo se iniciaria me deixaram deslumbrada. Como eu invejava aquela paixão. Eu queria sentir todo aquele fanatismo, mas eu parecia intocável. A única que não foi atingida pelo vírus num apocalipse zumbi.
Me tornei, então, “torcedora” da cobrinha. Nem sei ao certo em quantos jogos compareci, de tantos. Sei menos ainda o motivo de eu ter guardado todos os ingressos, se não ligo para esse universo. Mas o melhor de tudo é não ter que me deparar mais com as expressões perplexas das pessoas ao constatarem que eu nunca havia ido a um estádio. Eu não só tinha ido, como era assídua num, o Arruda. Não é lá essas coisas, mas já é algo. Uma pena que isso não tenha me tocado em nada, no sentido de despertar o amor pelo futebol, de idolatrar um time, de finalmente entender o que todo mundo sente.
Hoje, aos 21 anos, eu parei de encenar. Continuo a ter que responder a famosa pergunta de “qual dos três”, e, sem nenhuma vergonha, digo que não torço para nenhum. E por que eu deveria ter? Mas juro que gostaria de sentir, pelo menos uma vez, aquele espírito que é alucinado por tudo que tenha um gramado, uma bola, duas barras e 22 jogadores, contando com os dois goleiros, claro. Sempre tive o espírito esportivo de saber competir, mas, o espírito esportivo de sentir o futebol, esse me falta.
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