FUTEBOL: UM SONHO COMUM
- Manuella Correia
- 11 de out. de 2017
- 6 min de leitura
Fábio Simonton é natural do Recife e sonha em ser jogador de futebol desde antes dos 11 anos, quando entrou numa escolinha de futebol improvisada no bairro onde morava. Nessa idade, o atleta participou campeonatos representando a escola em que estudava, até ser campeão por três vezes da Nossa Liga de Futebol, uma dos mais importantes competições interescolares. Por meio da Seleção da Nossa Liga o atleta também participou de um campeonato na Argentina no ano de 2014. Em 2015, Fábio representou a camisa do Santa Cruz no Flórida Cup sub-16, campeonato realizado nos Estados Unidos, “Foi uma experiência única”, disse. Hoje, aos 17 anos, deixou sua cidade natal para fazer parte da equipe sub-20 de um clube na capital paulista e se preparar para a Copa São Paulo de Futebol Júnior 2018, o maior torneio de base das Américas.
Matheus Balbo tem 17 anos, é carioca e treina na mesma equipe que Fábio para disputar a Copa São Paulo, e, por coincidência ou não, suas histórias são parecidas: os pais de Matheus o matricularam desde muito novo numa escolinha de futebol. Aos 11 anos, o atleta viajou para disputar um campeonato em Curitiba e passou três semanas longe da família. Aos 14 anos foi atleta do Grêmio de Porto Alegre. Com 16 anos o atleta jogou no Criciúma. “Não foi tão fácil chegar onde cheguei. Já passei por dificuldades e por momentos tristes longe da minha família”, contou. Hoje, Matheus e Fábio moram no alojamento do clube do qual fazem parte.
O recifense Marcos da Paz também tem 17 anos e começou a tentar carreira no futebol com 7 anos, jogando numa escolinha em frente à sua casa. “Comecei a jogar bola na rua com meus amigos no final de tarde. Acho que foi daí que tirei a ideia de ser jogador e estou com ela na cabeça até hoje”, disse. Em 2013, jogou pelo Sport e foi campeão da Nossa Liga pela escola em que estudava. Marcos também participou dos mesmos campeonatos internacionais que Fábio, na Argentina e nos Estados Unidos, pela seleção da Nossa Liga e pelo Santa Cruz. Em um desses campeonatos foi chamado para jogar e estudar nos Estados Unidos, onde está até hoje, prestes a terminar o Ensino Médio e ingressar na universidade para seguir carreira profissional.
O que há em comum entre eles parece óbvio: o sonho, desde a infância, de seguir carreira profissional no futebol. A prática de mudar de cidade, de estado e até de país em busca desse sonho tem se tornado comum entre adolescentes e jovens, no Brasil e no mundo. De um lado, grandes times estão fazendo do futebol de base um negócio altamente rentável, através de investimentos em novos atletas, de outro, adolescentes e jovens participam de “peneiras”, dedicam-se a treinos pesados, deixam suas famílias para morarem nos alojamentos de times e, às vezes, investem financeiramente no sonho e na expectativa de um dia serem jogadores reconhecidos.

Fábio Simonton/Acervo Pessoal

Matheus Balbo (à esquerda)/Acervo Pessoal

Marcos da Paz/Acervo Pessoal
O fato é que tudo gira em torno de uma paixão que parece estar no DNA brasileiro: o futebol. Por que será que a profissão “jogador” parece ser tão almejada por tantos meninos e, até mesmo, por tantos pais? Por que crianças desde cedo são incentivadas a terem o sonho de serem jogadores? Por que os pais abrem uma exceção e ‘liberam’ seus filhos do estudo árduo, do vestibular e da faculdade quando eles manifestam o desejo de seguir carreira profissional no futebol? Porque um esporte é, muitas vezes, considerado mais promissor do que o Direito, a Medicina, a Pedagogia ou a Engenharia? Talvez a resposta seja justamente esta: a paixão pelo futebol que parece ser inerente ao brasileiro, afinal, apesar das derrotas e do inesquecível 7x1, ainda somos “o País do futebol”.
“O futebol pra mim é tudo, não sei explicar de onde vem esse sentimento. É como uma sensação de fome, que nunca passa. Futebol pra mim é simplesmente tudo”, expressa Matheus, que parece resumir o sentimento do brasileiro em relação ao futebol. No Brasil, o esporte é tão ovacionado e popular que o senso comum nos leva a pensar que é a profissão perfeita por abranger tanto o prazer na hora de ‘trabalhar’, quando o retorno financeiro ideal - e talvez este seja o principal motivos que explique a conjuntura atual da qual estamos falando. Engano nosso! De acordo com um relatório divulgado em 2016 pela CBF, Confederação Brasileira de Futebol, mais de 80% dos jogadores de futebol recebem apenas um salário de até R$1mil, muitas vezes pagos com atraso:
Seguir carreira no futebol não é fácil. Uma parcela muito pequena dos que sonham com isso conquistam. E, quando conquistam, nem sempre são reconhecidos da forma ideal. Além dos salários baixos e atrasados, outros obstáculos precisam ser enfrentados por quem pretende seguir carreira profissional no futebol. “Acho que toda pessoa que joga não profissionalmente pensa em como vai ser se a carreira não der certo, porque a verdade é que poucos conseguem chegar lá”, diz Fábio Simonton.
Mas, apesar das dificuldades, ainda assim, Fábio, Matheus, Marcos e tantos outros seguem alimentando seus sonhos. “Existem muitas dificuldades mas eu sei que todo esse esforço vai valer a pena um dia porque é o meu sonho, é o que eu quero pra minha vida”, conta Matheus. O motivo para a persistência dos meninos já foi dito e continua sendo reforçado por eles: “Ser jogador é um sonho que eu acho que toda criança já teve. É um sonho que estou até hoje buscando. Saber que posso um dia mudar completamente minha vida e dos meus familiares é um incentivo a mais”, diz Simonton, explicando o desejo que parece ser semelhante ao de Marcos: “Quero virar profissional para, além de fazer o que gosto, ajudar minha família”.
No entanto, muitos, mesmo com grandes habilidades com a bola, são forçados a deixar seu sonho de lado, pois como em quase tudo no Brasil, o futebol é uma área onde há uma imensa corrupção e perspectiva de lucro alto. Assim, a rejeição torna-se comum para aqueles que por diversos fatores não têm oportunidade para contratar bons empresários. É o caso de Henrique Sales, 24 anos, que começou aos 8 anos a tentar seguir carreira profissional, na escolinha de futebol do Sport Club do Recife, onde permaneceu jogando até os 15 anos.“Dos 16 aos 17 anos estava no time B do Santa Cruz, mas lá não tive muita sorte. Aos 18 voltei para o Sport e joguei o campeonato de juniores, mas meu time não foi classificado. Depois disso, fui pra Vitória de Santo Antão, cheguei a fazer parte do elenco mas não fui aproveitado. Depois fui pra Aracaju, mas lá tive pouca oportunidade e acabei voltando para o Recife”, conta.
“Infelizmente, por falta de condições não me tornei jogador profissional. Aos 22 anos, já desistindo da carreira, fui chamado pra jogar no Ibis, do Recife, mas, infelizmente, por falta de condições financeiras do clube a gente não conseguiu fazer o time passar de fase no campeonato”, diz o atleta que, devido à falta de oportunidade e aos contratempos da vida, precisou desistir do seu sonho: “Logo em seguida, voltando pra casa, decidi que estava na hora de desistir dessa carreira. Infelizmente você não precisa ter só talento hoje em dia, você precisa ter talento, sorte, condições e algum empresário que trabalhe por você”, expõe.
O caso de Heitor Phelipe, 23 anos, é bem parecido: aos 6 anos começou a jogar numa escolinha de futebol perto de casa, com 10 anos ganhou a bolsa esportes no colégio. Durante sua trajetória esportiva, Heitor fez testes para o Santa Cruz, mas não conseguiu passar: “Sabia que tinha condições de passar mas, hoje em dia, quando você vai ser indicado pra fazer um teste tem que ir já com um empresário que tenha influência no clube porque a avaliação é feita em apenas 45 minutos e, hoje, como estudante de Educação Física, sei que isso é muito pouco. Hoje, acredito que quem está lá em cima, se não for um atleta considerado ponto fora da curva, é porque tem um empresário muito forte”, diz o estudante.
Julio César, 21 anos, também tem uma história parecida e, desde os 6 anos, joga futebol. “Sempre fui apaixonado por futebol. Com dois anos, na Copa de 98, estava começando a falar e já falava os nomes dos jogares, torcia para o Brasil, me pintava, pegava a bandeira. Então por essa paixão, sempre tive o sonho de ser jogador de futebol”, lembra. Aos 14 anos, Julio fez teste para o time do Náutico, mas não conseguiu passar: “É um ambiente de muita máfia. Quem tem mais contato com técnico e diretor é que tem chance. Como meu pai nunca gostou dessa coisa, se fosse jogador seria pela habilidade, então sempre tive muita dificuldade. Jogava bem mas sempre fui escanteado por não ter um empresário. Às vezes a gente estava lá tentando e chegava, por exemplo, o filho de um diretor e ele já era colocado para jogar, nem precisava de teste”, relata. Em 2014, com 18 anos, Julio fez um teste no Porto de Caruaru, mas era ano de vestibular e ele optou por estudar “Como não tinha empresário, não ia dar certo. Eles conseguem acabar com o sonho de muitas pessoas facilmente”, disse Julio que, por ter sido se desiludido pelas dificuldades no universo do futebol, preferiu prestar vestibular para Jornalismo e, hoje, quer seguir no jornalismo esportivo.
A diferença entre Henrique, Heitor, Júlio, Fábio, Matheus, Marcos: os três primeiros desistiram do sonho devido à falta de oportunidades com bons empresários. Os demais permanecem na luta aproveitando as brechas e encarando os desafios. A semelhança entre todos eles: a incerteza no momento de tentativa. O futebol é um sonho sonhado por muitos, no entanto e infelizmente, realizado por poucos.
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