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YURI E O CARTÃO VERMELHO DA VIDA

  • Manuella Correia
  • 17 de nov. de 2017
  • 3 min de leitura

Sexta-feira, 08/09/2017, 22:50h. Não escrevo aqui sobre Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo ou sobre outro mestre do futebol. Não venho narrar sobre uma grande partida, gols que ficaram marcados ou sobre a empolgação contagiante de uma torcida específica. Venho por meio desta crônica contar um breve recorte da história de Yuri, recorte este que poderia ter sido tirado da vida de Matheus, de Felipe ou mesmo de Carlos, mas que por algum motivo desconhecido, será o da vida de Yuri; e, mesmo que assim tenha sido, Matheus, Felipe, Carlos, Gabriel, Pedro, João e tantos outros também estarão aqui representados, pois duas características servem como elo entre todos eles: o sonho de ser jogador profissional e os contratempos que os impedem de alcançá-lo.

Às 13h Yuri chega da escola empolgado e veste rapidamente uma bermuda antiga a fim de comparecer ao seu encontro costumeiro, mas nunca marcado previamente, com os meninos da rua. Seu maior sonho: ser jogador de futebol igual o Neymar. Sonho esse que é alimentado todas as tardes por barras - que, na verdade, são duas chinelas separadas -, uma bola velha meio rasgada e o desejo de marcar o desejado gol. “Toma pelo menos um banho, menino!” pede sua preocupada mãe, dona Ângela, que trabalha como cabeleireira num salão conhecido no bairro, “Esse menino não tem jeito, só quer viver correndo atrás de bola”. Que nada! Tomar banho levaria tempo demais e desde que acordou, Yuri, 12 anos, espera ansiosamente pelo seu encontro com Gabriel, Marcos e Saulo, 11, 12 e 13 anos, para jogar a famosa pelada, amada pelos meninos e odiada pelas vizinhas: “Se essa bola ‘pegar’ nas minhas plantas, eu juro que furo”, já virou o bordão de dona Auricélia, que mora em frente ao “campinho” de areia onde os meninos jogam.

O menino “Artilheiro” – como Yuri é chamado pelos colegas – contudo, convive com sérios dilemas que o impedem de realizar seu sonho: A vida dele é conturbada. Yuri mora com sua mãe e sua avó numa casinha simples localizada em uma comunidade carente; acorda cedo todos os dias para pegar o ônibus das 5:50h e conseguir chegar pontualmente na escola. Yuri não falta aula, pois a merenda ofertada pela Escola Municipal é imprescindível, sem ela, o menino corre o risco de não ter o que comer.

Sua avó enfrente problemas sérios de saúde, assim, quase toda a renda arrecadada por dona Ângela é direcionada aos remédios que não são ofertados pelo governo. Devido às dificuldades financeiras, dona Ângela não pode proporcionar ao filho o privilégio de treinar na Escolinha do Santa Cruz, seu time de coração. Yuri segue, então, treinando num campinho improvisado, localizada num beco entre sua rua e a rua da Igrejinha que ele frequenta. E, mesmo sem maiores privilégios, Yuri se destaca pela sua habilidade com a bola. Não fosse a imensa corrupção do futebol, onde aqueles que possuem dinheiro e bons empresários são privilegiados nas populares ‘peneiras’ realizadas pelos times, o menino Artilheiro certamente seria notado e, quem sabe, conseguiria alcançar seu sonho de ser o próximo Neymar.

Mas, devido aos contratempos da vida, Yuri segue mais um número nas estatísticas de meninos que sonham em ser jogadores reconhecidos, mas que possuem entre o sonho e a realização o imenso abismo da desigualdade social. Yuri é craque. Seus colegas, sua mãe, sua avó e todos os que convivem com ele sabem disso. Yuri sabe disso e continua treinando arduamente na escola da vida. Vida essa que deu um cartão vermelho no Artilheiro do time, que insiste em encará-lo como um cartão amarelo. Vida essa que não foi muito generosa com ele e que por causa dela, é muito possível que ele nunca consiga pisar num gramado. Infelizmente.

*Personagens fictícios

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